quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Animes e Mangás: Como tudo começou? #01




Vamos fugir um pouco do óbvio? Sim? então chega mais, que hoje iremos descobrir a raiz da inspiração da cultura pop japonesa.

Que as séries e personagens do Japão conquistam mundo afora isso você já deve saber. Mas antes de tudo, vamos saber como o Japão virou tão pop? 

Bem, tudo aconteceu na Restauração Meiji, o Japão despertou em todo o Ocidente muita curiosidade, e isso se deve a duas justificativas básicas. A diferença cultural e a impressionante prosperidade social. Ao mesmo tempo que o Japão é visto como a terra dos samurais, dos riquixás, do trem-bala, e de muitas outras invenções, a situação econômica chama a atenção do mundo, já que foi alcançada mais rapidamente que em qualquer outro país ocidental. Essa é uma visão limitadora para tentar compreender um lugar milenar, e ser reconhecido por estereótipos diferentes não é o resultado ideal, já que a vida comum dos japoneses abrange muito mais do que um rótulo.

Foi através dos itens de consumo industrializados que o Japão passou a fazer parte do nosso cotidiano quase que imperceptível. Brinquedos de lata e rádios transistores aos poucos evoluíram para eletrônicos diversos e carros. Logo passou a exportador de Konow-how, ao vender para todo o mundo seus conhecimentos da robótica á literatura administrativa, de construção civil á biomedicina. Contrariando perspectivas deterministas quanto ao espaço físico do arquipélago, nos anos 80, com as projeções mostrando que seu PIB superaria o americano, o mundo ocidental passou a consumir deles algo diferente, mais personificado: A sua influência cultural. E é aí que pretendo chegar. 


Sabemos que o símbolo da cultura pop , mundialmente falando, são os americanos, Porém por mais intenso que seja o processo cultural, fica impossível excluir milênios de tradição, hábitos, folclore, e costume de um povo,  portanto, ao invés de cultuar os ídolos dos outros como se fossem suas criações, os japoneses criaram seu próprio sistema de cultura, reinventando os seus ídolos e assim consolidando seu pop ocidentalizado.

Para que você entenda, o pop é um fenômeno de massa ligado á industrialização e sociedade de consumo. A função é a de gerar fluxo de caixa para os seus produtores, inúmeros enlatados são jogados no ambiente midiático para que haja a seleção natural entre aquilo que se tornará fenômeno pop e aquilo que será jogado ao ostracismo sem deixar rastros. O pop foi uma ferramenta historicamente essencial para a renovação da identidade japonesa, antes militar-nacionalista, agora mais liberal e progressista. Era preciso reconstruir um país fisicamente, mas via renovação da auto-estima nacional. A população, exausta das privações e dos sofrimentos do período que vai do Grande Terremoto de Tóquio em 1923 (que matou quase 100 mil pessoas e queimou a cidade praticamente inteira) ao fim da segunda guerra, queria apenas diversão e construir novamente a capacidade de ter alguma esperança no futuro. Essa ansiedade criou um ávido mercado, tanto para o American Way, quanto para a indústria japonesa.

Se tem uma coisa que está alterando valores, estéticas e comportamento do mundo, com certeza é o pop japonês. Cineastas por exemplo, se inspiram na difusão japonesa, como o Quentin Tarantino em Kill Bill. Esse tipo de cultura industrial, ausente de filtros qualitativos, está contribuindo com a exacerbação de estereótipos do Japão no ocidente.

Por mais que o pop japonês esteja sendo usado como um veículo de contestação dos jovens, eles não podem reclamar da sua ordem social, pois são sortudos por terem achado uma opção em meio á sufocante hegemonia estética americana. Mas não pense que o Japão reconhece os seus talentos assim gratuitamente, o diretor Akira Kurosawa por exemplo demorou muito pra conseguir o ''pouco'' reconhecimento que tem. Não foi atoa que ele quase desistiu de tudo uma vez. Por isso não vamos apontar que o Japão é um país que sabe reconhecer suas perolas, só porque o Estúdio Ghibli é bem visto por lá e pelo mundo, pois artistas tão competentes como o Miyazaki ainda vivem no mar dos secundários.


Como mencionado anteriormente, a cultura de massa foi o instrumento perfeito para que o povo japonês conseguisse suportar a dura tarefa de reconstruir um país, uma identidade e sua auto-estima. Dois foram os canais que deram abertura para aquilo que se transformaria no segundo mais importante pólo produtor de entretenimento: O rádio e o cinema.

O rádio, por onde o povo incrédulo teve que ouvir a rendição incondicional do Império Japonês em 1945, saiu do controle estatal com o fim da guerra e se tornou já nos anos 50 um veículo para muitos dos primeiros fenômenos pop do país. Dois ícones simbolizam sua popularidade, a radionovela Kimi no Na wa? (Qual o seu nome?) e a cantora Hibari Misora, que se tornou um símbolo nacional do otimismo no período da reconstrução do país e maior representante da música enka.

O cinema, no entanto, teve implicações mais fortes na sociedade devido aos tentáculos Hollywoodianos. O cinema japonês, pelas razões explicadas anteriormente, foi o que melhor conseguiu suportar a agressividade comercial dos estúdios americanos, mantendo em exibição, mesmo no período de ocupação, mais produções nacionais que estrangeiras. O grande ícone inicial do cinema japonês pós-guerra é Godzilla, que criou o gênero de monstro nas películas japonesas ao tocar no tabu dos efeitos da bomba atômica de forma descompromissada. Sorte dos japoneses que não tiveram sua produção nacional esmagada em sua formação, e podem hoje se gabar de ser uma das principais escolas mundiais, seja na criação de obras comerciais, como a atual geração de filmes de horror (insistentemente adaptados pelos americanos), seja na criação de obras de arte, como os clássicos de tríade-mestra.


E o efeito de tudo isso nos japoneses foi o mais receptivo possível. A cultura de consumo, impossibilitou de importar os bens da América  - pelo preço e pelos tamanhos geralmente grandes demais para as minúsculas casas japonesas - a nação optou pelo Sonho Pagável. A indústria japonesa se reergueu do zero produzindo esse sonho, na medida e valor que os japoneses podiam sonhar. Enxergo que isso quebra um pouco o mito de que os japoneses preferiram suas sucatas industriais aos importados de melhor qualidade por puro nacionalismo e incentivo ao recomeço; claro que o sentimento existiu, mas também não havia outra opção.

O Japão passou por seus primeiros Tsunamis consumistas, onde todas as famílias adquiriam os três tesouros sagrados do consumo daquele momento (em referência aos três tesouros xintoístas – a espada, o espelho e colar – que simbolizam o poder Imperial). Nos anos 50, foi o ventilador, a máquina de lavar e a panela elétrica. Nos anos 60 foi a vez do carro, do ar condicionado e da TV em cores. Já nos anos 70 a casa própria, as viagens e as jóias que fizeram suas cabeças. Eficientes gestões governamentais criaram no Japão, já nessa época, o maior índice de escolaridade e alfabetização do mundo, fizeram a renda nacional dobrar em uma década e assistiram ao surgimento da maior e mais rica classe média mundial até então (sinônimo de distribuição equitativa de renda). Esse povo, com acesso a renda e educação, sedento por informação, formava um ambiente propício para as manifestações da mídia e da indústria cultural.

A prosperidade alcançada nos anos 60 foi tamanha, que o período foi chamado de Showa Genroku. Showa remete ao período do imperador Hirohito, enquanto Genroku foi um período na história japonesa onde, sem conflitos internos, através de políticas econômicas, a classe comerciante enriqueceu e se tornou influente na sociedade, criando uma postura hedonista e decadente, que cultivava o luxo acima de tudo. A História é sábia e já indicava aos japoneses como a farra iria terminar, mas após tantas décadas de privações, não havia como não ficar inebriado com a locomotiva do progresso, e o povo não sabia mais o que era olhar para trás… Nesse período se popularizam os filmes de samurais, as baladas ocidentalizadas e o rock nipônico, influenciado pelos filmes de Elvis Presley. A identidade nacional se reforça e se afirma com o sucesso de eventos globais, como as Olimpíadas de Tóquio em 64 e a Expo 70 em Osaka. O Japão passa a ser respeitado como sociedade organizada, pacifista e progressista.

(Continua na parte #02 ...)
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